quarta-feira, 25 de outubro de 2017

MEUS CABELOS CRESPOS NÃO SÃO A MINHA ÚNICA IDENTIDADE NEGRA.

Escrito por Nanci Vellose de Souza
contato:nancivelpsc@gmail.com
Professora, Pedagoga e Psicopedagoga                      

Mudar momentaneamente o formato original do seu cabelo afro, não quer dizer que você esteja negando a sua identidade negra, e sim que você está exercendo o seu direito de liberdade (tal qual os outros grupos étnicos o fazem); e ainda está se permitindo ser livre e se apresentar em público como quiser, ora lisa, ora crespa, mas da maneira que se sentir feliz naquele momento.
Entendo que o cabelo crespos seja um traço característicos dos negros, mas não é apenas o cabelo que me representa enquanto negra.

O lamentável equívoco está numa linha de pensamento radical que padroniza, “engessa” o negro e limita suas possibilidades de escolha, afirmando que o negro deve assumir o seu cabelo crespo sem outras possibilidades de escolha.

Durante um evento em Florianópolis-SC, tomei conhecimento do desagrado e desentendimento que o critério de verificação de negros e não negros, (para identificar quem terá direito às cotas ou não), está causando e pautada nessa discussão podemos nos apoiar e afirmar que a identidade de uma pessoa não é representada apenas  pelo formato  apresentado em seu cabelo afro ou não. 
Afinal, o que é identidade, como somos identificados enquanto negros? Vamos aos conceitos :


aquilo que diferencia cada um e nós e só nos iguala a nós mesmos    ,

mesmo que seja entendida num processo de transformação, é da ordem
da representação e está localizada na consciência... Ela diz respeito à
imagem como a pessoa se vê no plano subjetivo, como percebe o   que
lhe é próprio enquanto individualidade diferenciada”. (Gomes, 1995
p.42 e 43)

Continuo nos meus pensamentos e questiono: Se dentro do termo “negro” podemos encaixar vários tons de pele entre o preto retinto e o pardo com diferentes tons de pele, também podemos aceitar vários formatos de cabelos com diferentes ondulações e volumes, indo do crespo menos volumoso ao muito crespo.
Não será o volume dos cabelos a razão da perda de identidade de um indivíduo negro e sim como foi construída e entendida a sua identidade, como o indivíduo se aceita. A opção de estar com os cabelos quimicamente modificados ou diferentes do seu formato original crespo, não será o fator determinante para a perda de identidade de ninguém, pois um indivíduo pode se apresentar no cotidiano com os cabelos lindamente crespos e volumosos e ao ser abordado por um órgão de pesquisas e se declarar branco por não se aceitar negro, nem mesmo sabendo qual o seu histórico familiar...

Por fim, vale a reflexão e o alerta que fica para as linhas radicais de pensamento, que  não padronize os negros e negras, que permitam que as pessoas  sejam livres e que vivam de acordo com suas escolhas, ninguém é obrigado a se apresentar como não deseja apenas por conta de um padrão socialmente traçado  ou para não desagradar o discurso daquela pessoa que  tanto admira....deixe que a mulher negra seja feliz do jeito que ela quer ser...mulher é como camaleão, cada dia está de um jeito de acordo com seu estado de espírito...vivam e deixem os outros viver usufruindo do  seu direito de se expressar como quiser. Uma gosta liso, outra crespo, outra trançado, outra solto, outra com “mega-hair”, outra passa a  chapinha, mas todas são negras e se reconhecem como pertencentes a esse grupo.

O importante ao meu ver é que a pessoa se entenda enquanto negra, que aceite sua origem, que valorize a sua história e compreenda a diáspora e seja feliz. Não podemos admitir que uma pessoa deixe de frequentar um ambiente por que seu cabelo está quimicamente tratado e será constrangida por outros em virtude de sua escolha.

Não concordo e nem aceito nenhuma linha radical de pensamento que padroniza pessoas em série, que limita possibilidades e que distorce conceitos. A história do povo negro já vem por si só carregada de marcas e dores que não cessam, e espero que não seja agora a padronização de um formato de cabelo que venha fazer mulheres infelizes por não poderem fazer valer o seu direito de liberdade de escolha.

Referências Bibliográficas:
GOMES, Nilma L. A mulher negra que vi de perto. Belo Horizonte: Maza edições, 1995.

Nenhum comentário:

Postar um comentário